Coluna Espaço AbertoColuna Espaço AbertoO fenômeno Márcelio: quando até prisão vira troféu eleitoral

 

Por Cícero Moura.

Foto: Reprodução / Redes Sociais

APROVADO
A surpreendente aprovação de 78,3% para Márcelio Brasileiro não é apenas um dado estatístico: é um retrato incômodo, quase constrangedor, de como parte do eleitorado brasileiro já se acostumou ao absurdo. 

FATO
Estamos diante de um caso curioso — para não dizer alarmante — de um prefeito que chegou a ser preso durante a eleição, sob suspeita de compra de votos, responde a processo que pode cassar sua candidatura, mas ainda assim lidera o ranking estadual como se fosse o modelo ideal de gestão pública.

REALIDADE
Se a pesquisa for séria — e vamos assumir que sim — então Márcelio não é apenas popular. 

REALIDADE 2
Ele é um fenômeno sociopolítico incompreensível, um produto puro do nosso tempo, em que fatos graves perdem a capacidade de manchar reputações e denúncias são tratadas como detalhe de rodapé.

LÓGICA INVERTIDA
Há algo profundamente errado quando um político passa pela porta giratória da delegacia e sai fortalecido. 

DEDUÇÃO
O que deveria reduzir apoio passa a gerar simpatia. Suspeita vira amuleto. Processo vira narrativa. Prisão vira discurso de mártir.

GÁS
No teatro político contemporâneo, muitos líderes transformam acusações em combustível. 

REVERSO
Mas Márcelio parece ter ido um passo além: conseguiu converter um episódio capaz de enterrar carreiras em capital político. É, no mínimo, intrigante. No máximo, preocupante.

FEITOS
A lista de obras e investimentos divulgada pela gestão é extensa, numerosa e visualmente sedutora. 

FEITOS 2
Pontes, escolas, drenagem, pavimentação, reformas, maquinário, iluminação, saúde, educação, premiações, contas aprovadas pelo TCE — é um cardápio completo para encher os olhos de qualquer comunidade carente de infraestrutura.

OBSERVAÇÃO
Mas nada disso elimina a pergunta essencial: desde quando obra substitui caráter?

COMPENSAÇÃO
Porque se a régua é essa, então basta construir algumas ruas e assar meia dúzia de bloquetes para que qualquer deslize ético seja automaticamente absolvido. A mensagem subliminar é clara:

ENTENDIMENTO
“Faça o que quiser, mas entregue algo visível e o povo te perdoa.” E isso é devastador para qualquer democracia.

PROXIMIDADE
A psicologia eleitoral explica parte do processo. Em cidades pequenas, a relação entre gestor e cidadão é direta, quase íntima. 

PROXIMIDADE 2
A identidade comunitária cria uma blindagem emocional. Soma-se a isso a narrativa clássica da perseguição política, que funciona como antídoto perfeito para qualquer denúncia.

NADA IRREGULAR
Assim, prisões, processos e irregularidades deixam de ser alertas e passam a ser interpretados como: prova de coragem, tentativa de boicote, ataque ao progresso, ou simplesmente “coisa da política”. E pronto: o ciclo se fecha.

CONSTATAÇÃO
Não importa o fato — importa o sentimento.
Não importa o histórico — importa o benefício imediato.
Não importa a ética — importa a obra.

PERGUNTA
O que significa uma sociedade que aplaude um político mesmo quando há sinais claros de conduta questionável?

RESPOSTA
Significa que: deixamos de diferenciar eficiência de ética; acostumamo-nos com o inaceitável; transformamos irregularidades em bagatelas; e passamos a agir como se moralidade fosse luxo e não premissa.

COLETIVO
O problema não é apenas Márcelio. O problema é como chegamos ao ponto de achar isso normal.

POPULARIDADE DISFUNCIONAL
É preciso dizer com todas as letras: a aprovação não apaga o passado. As obras não anulam as suspeitas. A infraestrutura não substitui a integridade. A boa gestão, se existir, não imuniza contra o juízo moral.

COBRANÇA
O que vemos é uma perigosa dissociação coletiva: o eleitor cobra resultado, mas não cobra decência.

COBRANÇA 2
E quando a sociedade abandona a decência como critério, abre-se caminho para tudo. Inclusive para o que não deveria mais ser tolerado.

OPINIÃO
A popularidade de Márcelio Brasileiro talvez diga menos sobre ele e mais sobre nós. Ela revela uma comunidade que prefere resultados imediatos à preservação de valores. 

OPINIÃO 2
Uma cidade que premia a obra e ignora o processo. Um eleitorado que se acostumou a achar aceitável aquilo que deveria causar indignação.

OPINIÃO 3
Se a liderança no ranking estadual é motivo de comemoração, a pergunta incômoda continua ecoando: Que tipo de democracia queremos construir quando até  prisão vira detalhe e processo vira fumaça?

OPINIÃO 4
Nova Mamoré aplaude. Rondônia observa. E a ética — essa, coitada — tenta sobreviver como pode.

FRASE
A ética que o eleitor ignora na eleição é a mesma que ele sente falta no dia seguinte ao resultado.

Fonte: Rondônia Dinâmica 

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